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O debate sobre o teto de gastos
Sandro Renato Maskio
26/12/2022 | 10:23
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Entre os principais temas discutidos no campo econômico na última semana estiveram o teto de gastos e a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da transição. A origem está no caráter estrutural do orçamento público brasileiro, especialmente no que tange ao seu engessamento, que inviabiliza a operacionalização das propostas de ação do governo eleito.

O teto de gastos surgiu no Brasil no meio da recessão do biênio 2015/2016. Um dos grandes determinantes da perda de quase 8% do PIB foi o desajuste das contas públicas, em especial no biênio 2014/2015. A Emenda Constitucional nº 95 de 2016 estabeleceu um limite para os gastos federais, equivalente à despesa de 2016 corrigida anualmente pela inflação, limite esse a ser aplicado por 10 anos. Esse mecanismo se tornou mais um elemento de enrijecimento das despesas públicas no Brasil.

Contudo, para compreender o debate e as opiniões diversas, é importante ter clareza sobre os diferentes posicionamentos.

Os defensores deste limite sustentam a importância da manutenção da sustentabilidade fiscal. Esta, de forma simplificada, nada mais é do que garantir a condição de solidez e solvência financeira do setor público, tornando-o capaz de arcar com suas obrigações financeiras ao longo do tempo.

O principal indicador de sustentabilidade fiscal do Estado é a trajetória da relação dívida pública/PIB. A princípio, à medida que o estoque de dívida pública cresce mais rapidamente que o PIB do País, maior serão as dificuldades para conseguir arcar com estas obrigações, dado que a geração de renda (PIB) e de arrecadação evolui de forma mais lenta. Se a relação dívida/PIB fica estável, significa que a capacidade de o setor público arcar com suas obrigações permanece, a princípio, estável, sem piorar nem melhorar.

É claro que é fundamental olhar para outras condicionantes, como a capacidade de o setor público financiar seus deficits e as condições de negociação dos títulos de dívida pública. Se o País detém boa credibilidade junto aos credores, se consegue negociar títulos públicos com juro baixo e prazos de pagamentos extensos, por vezes superando décadas, então a expansão da dívida pública em algum período curto tende a não ser problema sufocante para a dinâmica da economia.

Contudo, se o País não tiver boa reputação junto ao sistema financeiro, a expansão da dívida pública tende a pressionar a taxa de remuneração dos títulos para cima e gerar custo significativo à dinâmica da economia e à sociedade. O Brasil se encaixa aqui, pois o perfil da dívida pública brasileira apresenta taxa de juros elevada e prazos curtos de vencimento.

Este é um dos principais pontos que sustenta a argumentação sobrea necessidade de manutenção de um teto de gastos. Em geral, as regras que estabelecem limites para gastos públicos procuram funcionar como espécie de "seguro" contra gestões irresponsáveis do ponto de vista fiscal e financeiro, com intuito de evitar.

Necessidade de suportes

Do outro lado, seria irresponsável não observar que a demanda por serviços públicos é contra-cíclica. Nos momentos de maior retração da economia, menor geração de riqueza, menor arrecadação de impostos, maior desemprego, menor renda, entre outros, há necessidade da ação ativa do Estado. Neste contexto, tanto a sociedade necessita de um suporte mais robusto, desde saúde e educação a políticas de emprego e auxílio aos mais vulneráveis, assim como os empresários têm necessidade das ações de fomento a políticas produtivas, à melhoria do ambiente econômico em prol dos negócios, mecanismos de financiamento e compartilhamento de risco, entre outros.

As políticas de fomento à economia que estão sendo realizadas pelo governo dos EUA, pela União Europeia e pela China são exemplo do reconhecimento da importância das ações de planejamento do Estado,mesmo emeconomias com ampla presença do capital privado, para estabelecer estratégia e criar nichos de oportunidades, em especial em setores que se mostrem estratégicos para a geração de riqueza, produtividade e competitividade.

Aqueles que se posicionam de forma crítica em relação ao teto de gastos amparam sua argumentação nesta linha de raciocínio.

Para um País cujo Estado tem dificuldade de gerenciar as finanças públicas e de se financiar, mas que ao mesmo tempo precisa adotar politicas públicas ativas, este embate torna evidente a complexidade queexposta. Ao que me parece, a defesa de argumentações extremas, para qualquer um dos lados, não parece ser a mais adequada.

Ao novo governo, em especial ao seu núcleo tomador de decisões, o atual contexto amplia de forma exponencial o cuidado em definir as estratégias de ação a serem adotadas, especialmente no campo das políticas públicas ativas. Está claro que sem uma ação direta do Estado não conseguiremos obter uma melhora da qualidade de vida a médio prazo, especialmente os mais vulneráveis, e nem mesmo a atividade econômica conseguirá estabelecer uma rota sustentável de crescimento, ainda que moderado.

Entretanto, a capacidade de adoção de mecanismos ativos por parte do Estado se mostra bastante limitada. Isso amplia a necessidade de o governo ter maior grau de assertividade na escolha, planejamento e operação de suas ações. No cenário atual, dispomos de pouco espaço para erros, barbeiragens e desperdícios. Alguém discorda?

Material produzido por Sandro Renato Maskio, coordenador de Estudos do Observatório Econômico e professor do curso de Ciências Econômicas da Universidade Metodista de São Paulo.




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