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Região teve 65 processos de racismo e injúria entre 2022 e fevereiro

Número está longe de indicar que sete cidades se mostram próximas da igualdade; especialistas apontam subnotificação

Beatriz Mirelle
28/04/2024 | 08:00
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FOTO: Nario Barbosa/DGABC, 2017


“Eu já fui enquadrado pela polícia várias vezes em um único dia. Até hoje, às vezes entro em um estabelecimento e percebo que os seguranças ficam vigiando para ver se eu não vou roubar nada. Tudo isso era pior quando eu tinha cabelo black. Nós vamos suportando esse tipo de coisa, não reclamamos porque ficam falando que somos ‘vitimistas’, mas só nós sabemos como isso dói, quanto é constrangedor.” O relato é de Cassiano (nome fictício para preservar a identidade), homem negro de 56 anos. 

Professor e morador do Jardim do Estado, em Santo André, boa parte da vida dele foi marcada pelo racismo. Desde a infância, a frequência dos casos de violência racial se tornou tão presente na rotina dele a ponto de Cassiano sequer cogitar denunciá-los. “Nunca denunciei porque me acostumei a enfrentar isso. Ia denunciar para quem? Conheço várias pessoas que foram vítimas da truculência policial. Aprendi a lidar com as situações na hora, me defender e só. Agora percebo como me fez mal e tento dar suporte para que meu filho e sobrinhos não carreguem certos tipos de mágoas que o racismo traz e se articulem politicamente para mudar essa realidade.” 

No Grande ABC, dos 2.696.403 moradores, 32,8% se autodeclaram pardos, 7,6% pretos, 1,1% amarelos e 0,1% indígenas. Apesar dos casos de racismo serem constantes e a luta antirracista se fortalecer cada vez mais ao longo dos anos, a subnotificação dos crimes pautados em preconceito racial ainda é comum.

Entre janeiro de 2022 e fevereiro de 2024, o TJ-SP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo) registrou 65 processos nas áreas cíveis e criminais resultantes de racismo e injúria racial. Apenas em 2023, foram 44 ocorrências. 

Mesmo assim, o baixo número de processos distribuídos nos fóruns da região está longe de indicar que as sete cidades do Grande ABC são grandes exemplos de equidade e respeito. “Eu e minha ex-esposa abastecíamos o nosso carro em um posto de gasolina e, sempre que eu passava a folha de cheque, os frentistas confirmavam várias vezes para ver se não era falso. Quando ela, que é branca, pagava com cheque, não tinha nada disso. O tratamento comigo era sempre diferente. Você não pode nem reclamar porque sabe que a situação pode virar contra você.”, comenta Cassiano. 

A ativista e professora Sandra Cassimiro, integrante do Negra Sim – Movimento de Mulheres Negras de Santo André, explica que a subnotificação do racismo possui inúmeros fatores, como morosidade da Justiça, revitimização e descredibilização da vítima pela polícia e a normalização do preconceito.

“A impunidade de casos que ganham visibilidade na mídia desestimula as denúncias. Muitas pessoas também nem sabem quais providências tomar, ficam paralisadas ao sofrerem racismo. Quando vão denunciar, têm de contar a situação várias vezes, são questionadas sobre a veracidade. Por isso, a importância da orientação jurídica. A internet facilitou a divulgação desse crime, mas o racismo sempre existiu. As políticas públicas de acesso à justiça para a população negra devem ser facilitadas e divulgadas amplamente.”

A diferença entre os casos de injúria e racismo é que o primeiro refere-se ao ataque direcionado a uma pessoa, enquanto o segundo diz respeito ao ataque contra um grupo ou coletivo. Ambos geram reclusão de dois a cinco anos. 

“A injúria racial teve sua pena aumentada e tornou-se, tal qual os crimes de racismo, imprescritível e inafiançável”, diz o advogado Sheyner Asfóra, presidente nacional da Abracrim (Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas). 

O especialista informa que, para reduzir a insegurança das vítimas de racismo e injúria durante a denúncia, a Lei estipula que elas devem ser “acompanhadas por advogado ou por defensor público durante todo o processo, seja ele cível ou criminal”. 

OUVIDORIAS BUSCAM ENCORAJAR DENÚNCIAS

Cada prefeitura da região tem mecanismos de suporte às vítimas de racismo. Santo André tem o Conselho Municipal de Igualdade Racial, na sala um, no sexto andar da Praça IV Centenário. A ouvidoria para denúncias deste crime em São Bernardo fica no Paço Municipal (Praça Samuel Sabatini, 50). Em São Caetano, cabe ao Centro de Referência Especializada de Assistência Social, na Rua Antônio Bento, 180, prestar esse serviço. 

A Coordenadoria de Igualdade Racial de Diadema funciona na Rua Almirante Barroso, 264, na Vila Santa Dirce. Em Mauá, a Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania (Av. João Ramalho, 205) é responsável pelo atendimento. 

A Ouvidoria da Igualdade Racial de Ribeirão Pires fica na Rua Conde Sarzedas, 333, no Jardim Pastoril. Em Rio Grande da Serra o auxílio está a cargo da Secretaria de Cidadania (Rua do Progresso, nº 700). “A dificuldade para dar seguimento à denúncia à polícia e a falta de compreensão das questões raciais fazem com que muitos casos não sejam reportados. As ouvidorias e órgãos públicos direcionados à pauta racial são essenciais para que a população volta a acreditar na Justiça”, diz o coordenador do GT (Grupo de Trabalho) de Igualdade Racial do Consórcio Intermunicipal Grande ABC, João Moreira, responsável pela Ouvidoria da Igualdade Racial de Ribeirão Pires. 

A SSP (Secretaria da Segurança Pública de São Paulo) afirma que tem intensificado as ações de combate à violência racial e que todas as delegacias do Estado podem registrar ocorrência relacionadas a esse crime. Há também a Delegacia da Diversidade Online. Reforça, ainda, que as escolas de formação da PM (Polícia Militar) possuem disciplinas de Africanidades e Direitos Humanos – Ações Afirmativas.




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