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Mães denunciam mais dois casos de negligência no Hospital da Mulher

Após série de relatos divulgados pelo ‘Diário’, pacientes revelam novos episódios de violência obstétrica no equipamento de São Bernardo

Thainá Lana
20/04/2024 | 09:00
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Reprodução/Redes sociais


Mais dois casos de negligência no Hospital da Mulher de São Bernardo são denunciados por gestantes em meio à crise no equipamento municipal. O relato de Stephany dos Santos, 26 anos, indica que o problema é antigo, pois ocorreu em 2019, no antigo HMU (Hospital Municipal Universitário). O bebê da moradora do Nova Baeta nasceu morto por demora para realização do parto, segundo afirma.

Stephany fazia o acompanhamento pré-natal na UBS (Unidade Básica de Saúde) Jardim Farina, localizada no Baeta Neves, e conta que o problema começou no equipamento, porque o médico responsável pelo atendimento anotava na carteirinha o número de semanas de gestação com base nos seus cálculos, não com os resultados emitidos no exame de ultrassom – a diferença era de uma semana. 

Uma semana antes de perder o seu filho, a são-bernardense, que estava de 38 semanas conforme o ultrassom e 37 pelas contas do médico da UBS, foi até o Hospital da Mulher, antigo HMU, com dores e, apesar da criança apresentar batimentos cardíacos mais baixos que o indicado, foi liberada para casa. “Eles não queriam me internar, mesmo eu falando que estava com dores fortes. No dia 5 de setembro tinha consulta de rotina, então aguardei para passar na UBS, foi quando nesse atendimento o médico não conseguiu encontrar os batimentos do meu neném”, explicou Stephany. 

Sem a frequência cardíaca do feto, a paciente foi encaminhada para o Hospital da Mulher, onde a equipe médica constatou o óbito do bebê. O laudo do IML (Instituto Médico Legal) atestou que a causa da morte foi anoxia intrauterina, que pode ser ocasionado por partos complicados, demorados e não assistidos, que interrompem o fluxo sanguíneo placentário para o feto. 

Para retirada do natimorto, a paciente solicitou cesária, porém os profissionais induziram o parto normal. A criança foi retirada depois de 24 horas da constatação do óbito.

“Solicitei o prontuário para o hospital, e no último exame de cardiotocografia, meu filho já tinha batimentos fracos. Mesmo assim, me mandaram para casa. Na época, participei de reunião com a diretora e representantes do hospital e ao mostrar o documento, eles tentaram esconder. Quando pedi negaram que fosse meu. Ficaram tentando justificar que a culpa não era deles e apenas pediram desculpas, não deram explicação”, disse a mãe. 

Hoje, Stephany é mãe do pequeno Gael, de 3 anos. Após o ocorrido, ela fez um plano de saúde e diz que nunca mais vai utilizar o Hospital da Mulher. “Esse equipamento não deveria existir. Fui uma das mães que passaram pela dor de perder um filho. Lá, os médicos não são preparados, decidem que você não está pronta para parir, não querem fazer cesária e mandam você para casa”, desabafou. 

BEBÊ ENGASGADO

Aline Lanza da Fonseca, 30, diz que sofreu violência obstétrica em fevereiro deste ano no Hospital da Mulher. Com 40 semanas de gestação e com doença cardíaca, a paciente reclamou da falta de acompanhamento adequado devido à sua condição de saúde. Ela deu entrada na unidade com fortes dores, e mesmo solicitado pela paciente, a equipe médica recusou inicialmente o parto cesárea, apesar de estar com a dilatação necessária. 

No entanto, a cirurgia foi realizada depois de 40 horas da entrada no hospital. Aline contou que após quatro anestesias e medicação na veia, que não sabe qual foi, começou a passar mal e desfalecer durante o procedimento – ela possui taquicardias supraventriculares. “Não vi minha filha nascer, não sei o que me deram, mas só passava mal. Dei à luz às 10h18 e só consegui acordar às 17h e, mesmo assim, vomitava, delirava e desmaiava. Vi minha filha (Luiza) pela primeira vez às 3h”, disse Aline. 

Apesar do susto durante o parto, o maior problema ainda estaria por vir. A mãe afirmou que quando a enfermeira deu o primeiro banho na bebê, logo após a criança mamar, o recém-nascido começou a engasgar. “A profissional sacudiu muito ela no banho, então começou a sair leite pelo nariz, ela ficou toda roxa, com a boca preta e com o corpo mole. Colocaram um cano na boca dela para fazer a sucção do leite, e começou a sair um líquido preto. Questionei o que era e a equipe me disse que era apenas sujeira de parto. Na verdade, ela passou do tempo de nascer e aspirou mecônio (matéria fecal). Não ficou nada no pulmão dela”, lamentou. 

Questionada sobre os dois casos no Hospital da Mulher, a Prefeitura de São Bernardo não respondeu ao Diário em relação às denúncias envolvendo o Hospital da Mulher.

Primeira denunciante encoraja queixas

Raissa Falosi Santos, 20 anos, transformou uma situação traumática em coragem. A jovem de São Bernardo foi a primeira paciente a denunciar caso de negligência no Hospital da Mulher do município – depois dela, outros cinco episódios de violência obstétrica na unidade foram revelados pelo Diário nesta semana.

A são-bernardense ficou por 19 dias com uma compressa (espécie de pano utilizado para estancar o sangue) no seu corpo, após dar à luz e colocar Diu (Dispositivo Intrauterino) no equipamento, no dia 18 de março. O material cirúrgico só foi retirado na madrugada do dia 6 de abril na segunda visita da jovem ao hospital – na primeira vez depois do parto ela foi medicada e liberada.

“Foi um alívio poder contar tudo que aconteceu comigo, principalmente para que histórias como a minha não sejam jogadas para debaixo do tapete, como eles estão acostumados a fazer. Recebi apoio de muitas pessoas, palavras de conforto, e isso me ajudou muito”, desabafou a mãe.

Raissa tem consciência da influência da sua denúncia na revelação de novos casos. Depois da divulgação da sua história, diversas mães a procuraram para relatar episódios de negligência. “É triste ver as denúncias de cada mãe, é um caso pior que o outro. Influenciar outras mulheres a falarem sobre o que passaram é gratificante, porque quando acontece com a gente o primeiro sentimento é de tristeza”, contou.

Após uma série de ocorrências virem à tona nesta semana, o diretor da unidade hospitalar, Rodolfo Strufaldi, foi exonerado na quinta-feira (18), e a administração pública criou um comitê técnico, com profissionais de fora do hospital, para investigar os casos divulgados nos últimos dias. A médica responsável pelo parto e colocação do Diu de Raissa foi demitida, segundo a Prefeitura. Depois da publicação das reportagens, a Polícia Civil de São Bernardo intimou os envolvidos para prestar depoimento.

Para a jovem, as medidas adotadas até o momento ainda são insuficientes em comparação com o sofrimento vivido pelas pacientes. “Acredito que eles possam fazer muito mais por mim e por todas as outras denunciantes. Até agora o prefeito Orlando Morando (PSDB) não se pronunciou oficialmente sobre o caso, e seria importante para nós que ele falasse sobre o assunto”, finalizou Raissa.

Comitê técnico inicia investigação 

Após série de relatos divulgados pelo Diário na última semana de negligência contra gestantes no Hospital da Mulher de São Bernardo, a Prefeitura anunciou duas medidas para apurar os casos denunciados. A primeira foi criação de comitê técnico com profissionais de outros locais, e a outra foi a demissão do diretor técnico, Rodolfo Strufaldi.

Porém, apenas a criação da comissão foi publicada na edição desta sexta-feira (19) no Diário Oficial do Município. Apesar de ter sido anunciada à imprensa, a exoneração do médico não foi despachada oficialmente, ou seja, na prática, o profissional continua no cargo de direção do hospital.

Em entrevista veiculada ontem no programa Bom Dia São Paulo, da TV Globo, a coordenadora do comitê técnico, Mônica Carneiro, afirmou que iniciou ontem os trabalhos e os casos divulgados serão investigados pela equipe técnica para dar uma “resposta a sociedade” sobre o ocorrido. “Vamos verificar o que ocorreu nesses processos de segurança para identificar os pontos que podemos melhora. Temos que lembrar que o hospital tem protocolo de segurança instaurado há tempo”, disse ela.

Mônica, que é diretora do Hospital do Câncer de São Bernardo Padre Anchieta, afirmou ainda que os casos não chegaram à Prefeitura porque não tiveram relatos – apesar de as pacientes alegarem que informaram a direção do hospital. “Todas as situações que envolvem algum desfecho não esperado são motivo de investigação interna. Sempre analisamos esses casos, no intuito de fazer processos de melhoria e verificar as possíveis falhas que possam ter ocorrido”.




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