Cotidiano Titulo
Drummond numa tarde qualquer
Rodolfo de Souza
08/12/2023 | 07:00
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Leio Drummond em meio à balbúrdia escolar que já rescende a fim de ano. Vasculho algo que possa despertar o interesse geral. Não demora e encontro poemas fabulosos que, sem dúvida, conduziria o jovem estudante a uma viagem a bordo de um livro, em cujas páginas se encontram lugares tranquilos de um tempo sossegado que já vai longe. Contudo, toda a magia contida ali, em meio àquelas palavras, foge ao entendimento das mentes atuais. Falo de um mundo que bem caberia num conto de fadas, caso este tivesse o mesmo encanto.


Mas a garotada caminha por planícies outras, o que há de se fazer. Veredas de boa aparência, que sujeitam a mente ainda verde às futilidades dos dias atuais. A maturidade da alma dessa gente vem devagar, posso percebê-la lá adiante, bem longe, e isso a impede de entender e, sobretudo, de se embeber da literatura presente nesse livro singelo, meio puído, que eu carrego.

Um contraste muito grande se coloca, pois, entre aquele universo que eu visitava há pouco e o que vivemos hoje, nessa alvoroçada modernidade em que o barulho e o mau-gosto esfregam na cara a sua soberania, e ensinam novos valores, distantes da calma e do semblante que o mundo contemporâneo acabou por encher de poesia. 

O imediatismo dos dias atuais nos remete à urgência, à pressa descabida, à neurose que cega e leva o ser humano, por caminhos tortuosos, a lugares de onde não é possível vislumbrar as coisas simples da vida, onde se escondem os verdadeiros tesouros, riqueza que, antes de tudo, leva à paz interior. 

Tenho saudade, pois, de uma terra e de um tempo que não vivi. Drummond fez isso. Conduziu-me à simplicidade e à grandiosidade que transcende. Levou-me a uma Minas antiga e pequenina, desbotada pelo passar das décadas, ainda que colorida e brilhante aos olhos do leitor que viaja pelos seus campos, que prova do leite que vem no lombo da mula diariamente até a sua porta, que pisa seus gramados e suas calçadas de ferro...

São, tenho que admitir, quadros pintados com palavras que lhes conferem nuances tais que calam fundo na minha alma nesta tarde quente de quase verão. Palavras que me enchem de entusiasmo e me levam a compartilhar com os demais o sentimento único de pertencer a este e a outros tempos e lugares.

Não consigo imaginar um poeta do futuro escrevendo coisas semelhantes sobre o seu passado que é o nosso presente. Basta, pois, que observemos à nossa volta para constatarmos o definhar apressado da beleza, aquela que está na vida e aquela que esconde a sua cara no coração das pessoas que cultuam a violência porque dela se alimentam diariamente nos diversos meios de propagação que também dela se servem.

Mas eu insisto em navegar por estas páginas deste rico Drummond, poeta que pintou com palavras todo o sentimento do mundo e das pessoas que imaginavam o fim dos tempos no ano 2000. Aliás, chego a pensar que talvez não tenham errado.



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