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Dos erros à ‘contabilidade criativa’
Adhemar S. Mineiro
26/02/2023 | 08:43
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Nessas últimas semanas vivemos aqueles festivais de explicitação de números pouco confiáveis sendo divulgados – e desmoralizados – no país. Em nota técnica na próxima Carta de Conjuntura da USCS está prevista republicação de artigo que publicamos no blog Terapia Política. Aqui uma síntese daquele artigo.

Em 26 de janeiro, tivemos a revisão dos dados do mercado de câmbio feita pelo Banco Central para o período de outubro de 2021 a dezembro de 2022. Para o ano de 2021, essa revisão apontaria uma diferença (a menor) de cerca de US$ 1,7 bilhão e para o ano de 2022, de cerca de US$ 12,5 bilhões. Só para se ter uma ideia, com o erro, o fluxo do ano de 2022 passa de positivo a negativo. O Banco Central assumiu o erro e se desculpou. O erro, entretanto, com a divulgação de um superávit para 2022, não é neutro, pois impactou nas expectativas em relação ao dólar estadunidense. Independente do erro, alguém ganhou e alguém perdeu.

Outro erro dramático foi a divulgação pelo então presidente-executivo Sérgio Rial, de “inconsistências contábeis” da ordem de R$ 20 bilhões nas Lojas Americanas. De acordo com Rial, o acúmulo ao longo de alguns anos se deu pelo fato do "risco sacado, que não era lançado como dívida". O "risco sacado" consiste em uma modalidade de antecipação de recebíveis. E com isso apresenta um resultado “Ebitda” (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) maior. Desta forma, as Americanas conseguiriam distorcer sua real situação financeira.

Dado o volume, o caso ganha contornos expressivos, já que de outro lado estão grandes bancos que financiavam as operações (BTG Pactual tomou a frente, mas foi acompanhado por Itaú, Bradesco e Santander, só para ficar em alguns). Briga de cachorro grande, sabendo que os controladores das Americanas (o trio de aplicadores Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira) são megainvestidores do mercado de ações, e controladores de várias empresas.

O valor das ações das Americanas derreteu na bolsa, levando também a imensas perdas de aplicadores em geral. Se, pela via judicial ou da negociação, talvez as grandes instituições financeiras salvem uma parte de suas perdas, é possível que os pequenos e médios investidores acabem realizando uma perda monumental. E pelo “risco reputacional”, ou seja, o risco que vai passar a estar associado às figuras de Lemann, Telles e Sicupira, é possível que várias outras empresas que controlam tenham perdas consideráveis.

O mercado de ações começou quente, a ponto de derreter valores e reputações nesse início de ano, mas o resultado final vai depender dessa briga. A “contabilidade criativa” do setor privado nesse caso vai levar junto também a reputação das empresas de auditoria, que aprovaram sem ressalvas os números apresentados ao longo de anos pelas Americanas.

E por falar em “contabilidade criativa”, um rombo várias vezes maior foi apresentado pelo governo Bolsonaro. A contabilidade de Paulo Guedes apresentou resultado positivo, para o governo central (não inclui estados e municípios, e nem as empresas estatais) de R$ 54,1 bilhões no ano de 2022, revertendo uma trajetória de oito anos consecutivos de déficit, segundo anúncio feito em janeiro.

Qual o problema? Bem, pelo menos três. Um, mais subjetivo, é que parte substancial desse “superavit” é resultado da chamada “dívida social”, cortes de gastos e contingenciamentos nas áreas sociais, saúde, educação e assistência social. E dois outros problemas absolutamente objetivos. O primeiro praticamente zera o tal superávit: um acúmulo de cerca de R$ 50 bilhões de precatórios não-pagos, tornado possível pela chamada PEC dos Precatórios, aprovada pelo governo Bolsonaro, e que permite empurrar para o futuro o pagamento de precatórios decididos pela Justiça. Mas tem mais: uma estimativa de mais de R$ 255 bilhões de restos a pagar (valores que deveriam ter sido pagos em 2022, e passaram para o orçamento de 2023), mais de R$ 20 bilhões a mais do que no ano anterior. Para “lustrar” sua reputação, o governo anterior “gerou” magicamente um resultado no “azul”.

A herança de números parece ser muito ruim, e esses acontecimentos devem colocar sob olhares bastante atentos as próximas divulgações de números por parte do setor público e do setor privado. Como confiar, em um quadro como este? É fundamental reforçar mecanismos de controle, transparência e publicização das informações, sob risco de ficarmos totalmente à mercê de que os números na área orçamentária, cambial e financeira virem ficções.

O conteúdo desta coluna foi elaborado pelo pesquisador voluntário do Observatório Conjuscs, da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), e doutorando do PPGCTIA-UFRJ, Adhemar S. Mineiro.




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