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Desfinanciamento do SUS: O que fazer?
Francisco R. Funcia
12/02/2023 | 01:43
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Em texto originalmente publicado no Blog do Cebes (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde) em novembro de 2022, posteriormente ajustado e publicado na 24ª Carta de Conjuntura da USCS, tratei da questão do “desfinanciamento do SUS” (disponível em https://www.uscs.edu.br/noticias/cartasconjuscs). Aqui uma síntese do texto. 

A expressão “desfinanciamento do SUS” tem sido adotada pelos pesquisadores da Economia da Saúde para identificar o processo de retirada de recursos do SUS a partir da vigência da EC (Emenda Constitucional) 95/2016, recursos esses que já eram insuficientes para garantir o cumprimento pleno do preceito constitucional que “a saúde é direito de todos e dever do Estado” – situação essa que era definida como “subfinanciamento”. O “desfinanciamento” representa a fase do aprofundamento do processo histórico de “subfinanciamento”, caracterizando o início do processo de desmonte do SUS a partir de 2017.

A EC 95/2016 ficou conhecida pelo “Teto de Gastos” – congelamento das despesas primárias do governo federal (aquelas voltadas para ações e serviços de atendimento às necessidades da população, como nas áreas da saúde, educação, transportes, habitação, proteção social, agricultura, energia, etc.) no valor total dos pagamentos realizados em 2016 (atualizado anualmente pela variação do IPCA/IBGE). 

Mas, para as áreas da saúde e educação, a EC 95/2016 criou uma restrição adicional em prejuízo do interesse público, a saber: congelou até 2036 os valores dos respectivos pisos que vigoraram em 2017 (também atualizados anualmente pela variação do IPCA/IBGE). De nada adianta a receita crescer anualmente até 2036, porque nenhum centavo será destinado para atender às necessidades da população, que cresce a 0,8% ao ano segundo o IBGE.

Revogar a EC 95/2016 e substituir por outra regra de controle das contas públicas é condição necessária para a retomada de um modelo de desenvolvimento socioeconômico baseado na justiça social e nos Objetivos Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU. Romper com o desfinanciamento do SUS requer desde já um tratamento matricial, isto é, a avaliação conjunta de no mínimo três áreas governamentais: saúde, fazenda/economia e planejamento.

A EC 95/2016 retirou do SUS no período de 2018 a 2022 cerca de R$ 37 bilhões segundo estudo da ABrES (Associação Brasileira de Economia da Saúde). A PEC da Transição aprovada em dezembro de 2022 pelo Congresso Nacional interromperá parcialmente esse processo de perdas somente para o ano de 2023: o piso será acrescido em cerca de R$ 23 bilhões, mas não há nenhuma garantia tanto para a recomposição das perdas do SUS causadas pela EC 95 de 2018 a 2022, nem da continuidade da interrupção dessas perdas a partir de 2024.

Para interromper o desmonte do SUS em curso desde 2017, é preciso mudar a Política de Financiamento do SUS, proposta amplamente discutida pela ABrES junto ao Conselho Nacional de Saúde, às entidades da Reforma Sanitária e outros movimentos e associações que integram a Frente pela Vida, às universidades, aos movimentos sociais e populares, dentre outros. Segundo esse documento, seria preciso principalmente: (a) mudar a regra de cálculo do piso federal do SUS para acabar com o congelamento de 20 anos e para que não tenha mais fatores relacionados à dinâmica cíclica da economia, como por exemplo a receita, que cresce quando a economia cresce e cai quando a economia entra em crise; (b) aumentar a participação dos gastos públicos sobre os gastos totais em saúde em 10 anos (para atingir 60%, em consonância com padrões internacionais de financiamento da saúde), sendo que no mínimo 50% desses gastos públicos seriam federais (isso faria que os atuais valores da aplicação federal – R$ 646,00 per capita, 14,2% da Receita Corrente Líquida e 1,6% do PIB – passassem respectivamente para R$ 1.365,00 per capita, 26,6% da Receita Corrente Líquida e 3,0% do PIB.

O estudo da ABrES indica os mecanismos fiscais para romper com o desfinanciamento do SUS e garantir um financiamento estável e adequado nos próximos anos. 

A hora é agora. Saúde não é gasto. Saúde é investimento. Saúde é vida!




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