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Região tem 247 mil imóveis em áreas de risco para deslizamento

Famílias que residem em áreas de encostas convivem com o medo

Joyce Cunha
Do Diário do Grande ABC
25/12/2022 | 08:24
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Celso Luiz/DGABC


O Natal de Claudineide de Oliveira, 42 anos, e sua família não terá clima de festa. A moradora do Alto da Boa Vista, em Mauá, vive em uma das sete casas situadas no topo de encosta que há exato um mês escorregou parcialmente. Um dos imóveis cedeu e ficou pendurado, colocando em risco outras três edificações no pé do morro.

O céu carregado de nuvens e o barulho da chuva se tornaram, desde então, sinônimo de medo. A história de Claudineide, que se mudou há 15 anos do Piauí em busca de melhores oportunidades, assemelha-se a de centenas de famílias no Grande ABC. 

De acordo com o mapeamento mais recente da região feito pelo IG (Instituto Geológico), em 2020, 246.634 imóveis estão em áreas de risco para deslizamentos de terra nas sete cidades, dos quais 50.655, ou 20,5%, têm classificação elevada para o perigo de ocorrências durante tempestades.

Proporcionalmente, Mauá é a cidade com a maior quantidade de edificações em áreas de risco alto ou muito alto. Quase metade dos 21.698 imóveis em setores mapeados pelo IG – 10.387 construções – está nessa situação. 

A ocorrência do dia 24 de novembro na Rua Luiz Alleto, no Alto da Boa Vista, deixou 12 famílias desabrigadas. “Eu não tenho para onde ir. Fiquei oito dias em uma vizinha, porque não tenho parentes em São Paulo”, contou Claudineide. 

O imóvel foi interditado pela Defesa Civil Municipal naquela noite. Foi a casa de seus vizinhos da frente, Rosilma Thomaz, 47, e José Geneci, 58, que escorregou com o morro, levando junto parte do pavimento que dava acesso à sua casa. Mesmo diante do risco, Claudineide, o marido e os dois filhos precisaram voltar para a casa, onde irão passar o feriado de Natal. “Para onde a gente vai? Não tem para onde ir. Toda vez que ouço um barulho, que começa a chover, fico na expectativa. Parece um filme passando toda hora. Se eu tivesse escolha, sairia daqui”, desabafou.

Nesta quarta reportagem especial do Diário sobre tempestades de verão, municípios apresentam medidas de combate aos desastres em áreas de encostas e especialista ressalta a necessidade de investimentos, especialmente em urbanização de locais de ocupação precária. 

O drama vivido pela família de Claudineide expõe, mais uma vez, fragilidades do poder público no atendimento à população. “A gente sabe que a prefeitura está aí para ajudar os mais necessitados. E no momento que a gente estava precisando, ela não nos deu apoio”, afirmou a moradora. 

A casa que estava pendurada na beira da encosta foi removida pelos próprios moradores, que temiam prejuízos às famílias que vivem nos imóveis na parte inferior do morro. O Paço mauaense informou, no dia 25 de novembro, que sete casas foram interditadas na Rua Luiz Aletto e que foram oferecidas “cestas básicas, cobertores e colchonetes” para as famílias. 

O Diário solicitou atualização de dados sobre os imóveis, inclusive o que está ocupado hoje pela família de Claudineide, e medidas de suporte. A prefeitura não se manifestou.

Algumas das cidades utilizam outros estudos sobre áreas de risco como parâmetro para ações preventivas no período de chuvas e para o planejamento de ações estruturais.

Entre as medidas, para famílias que vivem em locais de risco iminente ou ficaram desabrigadas após ocorrências, as prefeituras de Santo André, São Bernardo, Diadema, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra contam com programas de auxílio moradia. A Prefeitura de São Caetano não respondeu.

Programas habitacionais priorizam famílias que vivem em áreas de risco na região. Desde 2021, Santo André entregou 1.248 novas moradias e tem outras 5.860 e construção. São Bernardo entregou 2.003 unidades habitacionais desde 2017. Nos últimos dois anos, Diadema fez a entrega de 82 unidades e tem outras 77 em construção. Além das políticas de prevenção, adotadas pelas equipes de Defesa Civil, do apoio emergencial, como auxílio moradia, os municípios investem em obras estruturais.

Risco em encostas vem da injustiça social e falta de estrutura, diz especialista

Na tentativa de conter os estragos das chuvas em áreas de encostas, prefeituras do Grande ABC investem em obras estruturais e buscam parcerias com os governos do Estado e Federal para ampliar a oferta de unidades de habitação popular. Intervenções mais simples, que exigem menor volume de recursos, entretanto, podem ser caminho viável para reduzir riscos e promover avanços na urbanização de áreas precárias. É o que explica o coordenador do Laboratório de Gestão de Riscos da UFABC (Universidade Federal do Grande ABC), Fernando Rocha Nogueira. 

“Quando se fala em alternativas habitacionais, o custo da terra urbanizável é muito alto, mesmo para programas governamentais de remoção. A terra no Brasil virou elemento mercantilizado, sem uso social”, destacou o geólogo, que é professor da pós-graduação em Planejamento e Gestão do Território da UFABC. 

“Obras básicas de urbanização são fundamentais. A maior parte dos espaços ocupados pelas populações de morro, nas chamadas áreas de risco, são habitáveis, aptas à ocupação. São áreas em que se puder implantar sistema de drenagem, pavimentação, ruas e acessos, elas se tornariam cidade formal e se caminharia para regularizar estes territórios”, avaliou o especialista, que atua há três décadas com gestão de risco em encostas.

“Vivemos conjuntura dramática. Estamos em temporada em que desastres naturais, onde não cuidar, vão acontecer com brutalidade. Além disso, o País enfrenta crise econômica que aumentou o número de pessoas vivendo em encostas”. 

De acordo com o especialista, as regiões de morro são desvalorizadas e, portanto, ocupadas por parcela mais vulnerável da população. “Quando a gente fala sobre o risco de inundações, falamos sobre erros de engenharia. Quando falamos sobre o risco em encostas, falamos sobre injustiça social. A cidade só ofereceu para milhões de pessoas morarem os terrenos que não eram de interesse do mercado imobiliário, que tinham problemas na ocupação”, afirmou o especialista.

Apesar de destacar o avanço de alguns municípios nos esforços para urbanização de áreas de encosta, Nogueira considera que mais investimentos são necessários para evitar vítimas fatais em deslizamentos, além de danos materiais.

“Se olhar para os municípios, 90% dos recursos do orçamento são para manutenção e infraestrutura de terrenos bons. Para terrenos ruins, nem recurso do orçamento sobra. E nós temos que cuidar desses lugares vulneráveis com urgência”, destacou Nogueira.

“Os discursos sempre culpam a chuva, mas a culpa do desastre é a falta de infraestrutura. Para encarar a crise climática, vamos ter que fazer grandes reformas urbanas. Sem isso, vamos ficar chorando os mortos até o fim, como costumamos fazer. Temos que pensar o risco com antecedência”, alertou. 




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